quarta-feira, 8 de abril de 2015

Campo de Girassóis



A primeira coisa que sinto é o cheio da fumaça e de longe, posso vê-la poluindo o céu.
Em poucos minutos, um trem passará por cima daquele corpo estirado no chão, esmagará todos os ossos, espalhará as entranhas por todo o campo de girassóis e seguirá seu caminho.
E posso assistir tudo aqui do alto da colina.
O maquinista soa o apito com os olhos aflitos ao ver o corpo estirado, mas ele não se move.
Não há mais pra onde ir.
Talvez, quando o trem estiver a poucos metros dos pés, alguma coisa aconteça. Talvez aquele coração volte a pulsar através da adrenalina que talvez acenda o corpo. Talvez haja medo. Mas não se trata mais de medo: a indiferença sobre a morte e a vida é pior do que medo ou coragem.
E o espaço entre o trem e o corpo fica cada vez menor, o barulho das rodas cada vez mais alto, a fumaça mais densa e intragável e os olhos do maquinista mais aflitos.


Agora, a colisão.


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Tem um trem em cima do meu corpo. Ele não freou, apesar do maquinista ter soado o apito. Trens não freiam, e mesmo sabendo disso, continuei deitada sobre os trilhos. A colisão entre o meu corpo e o trem é tão indiferente quanto a vida ou a morte. Meus ossos estão quebrados, minhas entranhas espalhadas pelo campo de girassóis e aos poucos, o trem vai se afastando lentamente, deixando pra trás o meu corpo estraçalhado.
Em nenhum momento houve medo ou coragem. Não se tratava disso. Minha incapacidade de sentir qualquer emoção foi o que me deitou ali. Quem sabe, se o trem se aproximasse dos meus pés, alguma coisa acontecesse. Talvez meu coração voltasse a pulsar através da adrenalina que talvez tomasse meu corpo. Talvez eu tivesse medo e fugisse. Talvez eu sentisse um enorme prazer pela morte ou pela dor. E eu suplicava pra sentir qualquer coisa, nem que fosse dor. Mas o trem foi chegando cada vez mais perto e minha indiferença sobre a colisão permanecia gélida.
E agora, meu corpo foi esmagado por 36 vagões de carga, meus ossos viraram pó, minhas vísceras estão á mostra, meu rosto completamente desfigurado e meu coração já não bate, apesar de'u permanecer viva.
Levanto com minhas pernas quebradas e saio andando, como se absolutamente nada tivesse acontecido. Mal senti o peso da máquina.
E ainda me resta uma eternidade inteira pra eu percorrer no campo de girassóis, com um coração incapaz de gerar qualquer sentimento e uma vida completamente vazia de objetivos.
Uma vida inútil com todos os vagões vazios.

E posso assistir tudo aqui do alto da colina.




-Abril.2015-