terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Me chamo Ícaro

Quero me mudar daqui.
Quero mudar de casa, de cidade, de corpo e principalmente de alma.
Quero livrar minhas asas e percorrer o céu tocando o mar com os dedos, planando entre o limite do horizonte e do infinito.
Quero que meus olhos vejam o mundo de cabeça pra baixo e que minha pele se derreta nos raios de sol.
Quero embolar as nuvens na palma da mão e enfiar na boca, lamber os dedos melados de açúcar.
Quero gritar mais alto que nunca, arranhar minha garganta, me engasgar com o vento e  deixar os lábios secarem até se partirem.
Me perco em tanta agonia. Meu nome é ansiedade.
Quero voar o mais rápido e alto que puder, quero ser Ícaro e me embriagar de tanta luz.
Quero preencher meu vazio com todo o oxigênio do mundo, até explodir em milhões de pedacinhos que se transformarão em gotas de solidão e inundarão seus olhos.
Quero pular da janela do meu quarto, da sala, quero abrir a porta do carro, quero voar no seu pescoço e te estrangular até a morte.
Quero me perder na escuridão da galáxia e fazer de toda estrela, luz dos meus olhos.
Quero um meteoro com meu nome e quero Melancholia colidindo com a terra, de preferência bem em cima do seu corpo, esmagando cada pedacinho do seu ínfimo ser, até que não sobre nada mais que remorso e arrependimento.
Quero me deliciar nas suas lágrimas, sorrir ao te ver sofrer, te fazer sentir uma dor infinita, queimar suas entranhas e jogar o que sobrar pra os peixes comerem e cagarem em um canto qualquer do oceano faminto.
Quero que a ressaca do mar te traga de volta, te faça areia, pedra, chão, barro, ser.
E quero que comece tudo de novo.
Quero estar lá em cima ao ver tudo acontecer.
Quero muito que isso se repita quantas vezes forem necessárias pra te fazer sentir toda a dor que você me proporcionou.
E mais que tudo, quero morrer de vazio, de indiferença, de descaso e virar pó de fada, pra ser eternamente livre e poder planar pelo infinito sendo qualquer coisa que você não consiga alcançar.

Acalanto (o barco e eu)

Se o carro balançava, o barco balançava ainda mais.
Na margem, salgado. No mar também.
Era eu e ele, ele e eu, e a tempestade á nossa espera.

O gosto de sal no canto da boca, vinha do mar de lágrimas que nos embalava. Nossa tontura justificava os calafrios e o vento gélido que soprava contra nossos cabelos aclamava o pranto. 
Então tínhamos uma tempestade a nossa frente e o fantasma de um futuro certeiro que infelizmente, estava escrito no mapa astral e nos amedrontava. Não tínhamos escapatória e a solidão nos saudava. Podia sentir minhas vísceras congelando e a dor era insuportável: doíam os olhos cansados, os lábios cerrados, a garganta cortada e o peito arrancado.
Então estávamos eu e ele á deriva na solidão. Nossos esqueletos boiavam no oceano negro que era tão imenso quanto nosso desespero. Não havia terra firme, não havia salva-vidas, não havia nada além da nossa dor.
E se no horizonte havia medo, nos encontrávamos em meio a ele. Sem direção, íamos indo onde a maré nos afogava e entre soluços e suspiros profundos, algo nos puxava para o fundo do oceano. Era difícil de respirar, apesar de o mar ser tão natural para ambos, pois sempre nos aventurávamos em suas ondas famintas e saíamos ilesos. Mas dessa vez, nadávamos em um pesadelo de melancolia e desespero. 
No fundo do mar, monstros nos esperavam com suas bocas arreganhadas e seus olhos intimidadores, e na superfície, cumulus nimbus de tamanhos descomunais engoliam o céu e despejavam uma chuva tão ácida quanto nossas lágrimas. E íamos nos embolando entre rajadas de ventos certeiros, ondas macabras, monstros devoradores, futuros melancólicos, tempestades mortais, dores nas entranhas, gosmas nos olhos, calafrios amedrontadores e qualquer coisa que possa ser extremamente assustadora.
E antes de perder toda e qualquer esperança, joguei uma garrafa e um pergaminho escrito á sangue o mais longe que pude, na esperança de ser salva por você. 
"Não".
Me deixei levar pelo mar. Estava perdida, eu e ele, na imensidão do oceano -que não era maior que minha mágoa- e fui reduzida a um insignificante grão de areia perdido na profundidade do meu medo.


E aquele foi meu último suspiro.