terça-feira, 13 de setembro de 2011

Pálpebras


Me fez dor em seus sorrisos e mais doídos estavam os meus olhos, que desesperados, procuravam os seus sem encontrar. Perdidos, morreram.

sábado, 3 de setembro de 2011

Ressaca


A culpa foi minha de ter entrado assim, meio sem bater, sem avisar que vinha.

Subi as escadas com os pés pesados, entrei pela porta dos fundos e me deparei com o gato ali parado, inquieto. Esfregava-se em mim e se embolava minhas pernas sem querer me deixar passar. Foi um aviso. Desviei, passei pela sala vazia, pelo quarto bagunçado e pela cozinha suja. O fato é que cheguei ao salão de vidro e me deparei com a vista da praia, como de costume, mas o mar revolto na minha frente -uma mistura de cinza com azul petróleo e pincelado de branco, completamente enfurecido, raivoso- engolia tudo e todos que ousassem ultrapassar seu caminho. As pedras gritavam socorro, pois estavam morrendo afogadas, o vento jogava os pombos e as gaivotas para todas as direções, sem deixá-los planar em meio á confusão e as ondas brancas espancavam o paredão de pedras que barrava a passagem da água. Ou tentava, pelo menos.
Assim que ouviram os estrondos do oceano, os pretos correram desesperados para a praia na tentativa de salvar seus barcos velhos e podres, á deriva na fúria das águas. Talvez já fosse tarde demais. O mar tinha engolido a areia também. Os pescadores descrentes já não tinham o que fazer. Aos poucos, os barcos iam afundando no chão cinza e iam escorrendo lágrimas nos olhos de quem assistia. Até que um velho preto, corajoso, se sobressai na multidão, se benze em direção aos céus e mergulha no ódio do mar para tentar salvar o máximo de barcos que puder. Nós vimos algumas braçadas cansadas até uns três metros do paredão, mas depois não se via mais velho preto e corajoso por entre as ondas.
E foi assim durante umas boas horas.
Até que do céu branco e calmo, uma rajada de sol cortou a tristeza no peito dos homens -e no meu também- tocou o mar clareando-o e me refletiu arco-íris, desenhando um pouco de felicidade na imensidão dos meus olhos que eram o meu mar.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

A orquestra


Harmoniosamente, os instrumentos de corda, de sopro, de corda de novo e os teclados se organizavam sobre o palco. Mais harmonioso ainda, era o rosto de cada um daqueles músicos que, de varias partes do mundo, se juntaram em um só salão para exalar a musica inovadora que conheciam. É certo que não se encontravam uns nos instrumentos dos outros, como deveriam. Na orquestra, cada unidade tocava separadamente, curtindo sua próprio transe, seu próprio instrumento e sua própria viagem. Não me agradava os ouvidos aquela desarmonia, apesar dos olhos estarem bem confortáveis vendo eles se moverem, como quem dança com o violino, o sax, o baixo, a harpa, o violoncelo. Mas quando se encontravam em um só ritmo, as paredes, as bandeiras, os pés da platéia, as luzes que os iluminavam e todo o bairro dançavam juntos num mesmo ritmo, até se perderem novamente e desagradarem meus ouvidos. E nesse transe de se perder, se encontrar, se perder, se encontrar, a cadeira vazia ao meu lado me deixava insanamente ansiosa. Me chamava mais atenção que a própria orquestra, inclusive. Até que, me virando pra trás, eu corro os olhos por todo o salão. Ali estava.

A partir daquele momento em que eu a vi, meus ouvidos ensurdeceram por completo e a única coisa que eu ouvia era a sua voz.

O segundo ato da Orquestra

Como quem cuidava de uma um cofre lacrado, a senhora fazia questão de passar os olhos de relance, como quem não quer nada, sobre a filha e sua namorada, sentadas a um dou dois assentos depois do seu. Aposto que, assim como sua filha que ensurdeceu depois que sua amada chegou, a mãe também não deu mais atenção á orquestra que tocava maravilhosamente mal á sua frente e se dispôs a cuidar de seu bem mais precioso, que agora estava sobre os beijos e cuidados de alguém que não conhecia, não confiava, mas que teria que se aproximar querendo ou não.
O casal completamente apaixonado se limitava a entrelaçar os dedos uns nos outros ou nos cabelos por respeito aos familiares ali presentes. No máximo, quando percebiam que ninguém as observava, estalavam um beijinho curto, mas que transmitia todo o amor que sentiam uma pela outra. E elas cochichavam no cangote com a desculpa de não atrapalhar a platéia que assistia ansiosamente – não sei se a orquestra ou a elas– mas na verdade, só queriam se dar arrepios.
E foi assim até a platéia inteira se levantar e aplaudir de pé o show que se encerrava com um beijo fino de despedida e um até logo, meu amor.