sábado, 3 de setembro de 2011

Ressaca


A culpa foi minha de ter entrado assim, meio sem bater, sem avisar que vinha.

Subi as escadas com os pés pesados, entrei pela porta dos fundos e me deparei com o gato ali parado, inquieto. Esfregava-se em mim e se embolava minhas pernas sem querer me deixar passar. Foi um aviso. Desviei, passei pela sala vazia, pelo quarto bagunçado e pela cozinha suja. O fato é que cheguei ao salão de vidro e me deparei com a vista da praia, como de costume, mas o mar revolto na minha frente -uma mistura de cinza com azul petróleo e pincelado de branco, completamente enfurecido, raivoso- engolia tudo e todos que ousassem ultrapassar seu caminho. As pedras gritavam socorro, pois estavam morrendo afogadas, o vento jogava os pombos e as gaivotas para todas as direções, sem deixá-los planar em meio á confusão e as ondas brancas espancavam o paredão de pedras que barrava a passagem da água. Ou tentava, pelo menos.
Assim que ouviram os estrondos do oceano, os pretos correram desesperados para a praia na tentativa de salvar seus barcos velhos e podres, á deriva na fúria das águas. Talvez já fosse tarde demais. O mar tinha engolido a areia também. Os pescadores descrentes já não tinham o que fazer. Aos poucos, os barcos iam afundando no chão cinza e iam escorrendo lágrimas nos olhos de quem assistia. Até que um velho preto, corajoso, se sobressai na multidão, se benze em direção aos céus e mergulha no ódio do mar para tentar salvar o máximo de barcos que puder. Nós vimos algumas braçadas cansadas até uns três metros do paredão, mas depois não se via mais velho preto e corajoso por entre as ondas.
E foi assim durante umas boas horas.
Até que do céu branco e calmo, uma rajada de sol cortou a tristeza no peito dos homens -e no meu também- tocou o mar clareando-o e me refletiu arco-íris, desenhando um pouco de felicidade na imensidão dos meus olhos que eram o meu mar.

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