domingo, 16 de janeiro de 2011

Corra e dance

Suas sapatilhas cor azul celestial tinham grandes fitas brancas que desenhavam suas panturrilhas grossas, até que terminavam em um laço grande e exagerado. Seu cabelo comprido e escuro se prendia em um coque muito bem amarrado no alto da cabeça e seus olhos castanhos sobressaltavam o brilho intenso de sua maquiagem azul reforçada. Apesar da descrição parecer exagerada, ela estava completamente leve e suave enquanto encarava aquele espelho de provador de roupa de uma loja qualquer. Ali, entre cortinas amarelas, ela imaginava-se em um deslumbrante estúdio de balé, rodeado por espelhos, barras, lustres e uma música de melodia simples, porém doce, que ecoava no lugar vazio, mas não solitário. Então a música parou e ela se viu em perigo. Pessoas ao lado de fora da cabine a encaravam com pena e preocupação nos olhos. Seus conhecidos, seus queridos, seus amados, pareciam querer mostra-la o que era certo e educa-la da forma mais correta possível, com direito a livros equilibrados na cabeça e aulas de culinária. Pobre garota. Ela olhava pelo reflexo do espelho os olhos conhecidos a observando, e surpreendida com tanta atenção, ela correu, fugiu, e dessa vez, não para dentro de sua cabeça ou de seu coração, mas sim para bem longe dali, daquele espelho, daquelas pessoas, daqueles julgamentos e olhares penosos. Suas sapatilhas provaram ser surpreendentemente ágeis, apesar da fragilidade que aparentavam.
Como esperado, aqueles olhos que a fitavam correram atrás dela e tentavam alcança-la custe o que custasse. Era perigoso demais envolver-se com fantasias e arrepios. Eles eram rápidos, eram muitos, eram sagazes e preparavam emboscadas, mas ela era mais rápida, mais sagaz e mais feliz. Quem sentia pena agora de toda aquela gente, era a bailarina de pernas grossas, que desviava de todas as armadilhas com facilidade e doçura.
Mas então, em meio a toda confusão, estava a sua mãe. A menina parou. O mundo parou de girar por uns instante. Só a sua mãe estava ali bem a sua frente, com os olhos lacrimejando e as mãos no rosto, cobrindo a vergonha e a decepção.
-Minha filha...
A menina parou, fechou os olhos, balançou a cabeça, mas de nada adiantava, porque sua mãe ainda estava ali, jogada no chão, se culpando por ter descuidado de sua filha e tinha medo de perde-la de vez. Por mais que tentasse, não conseguia faze-la enxergar o que era certo e o que era errado, o que estava ao seu alcance e o que ela ainda era muito jovem pra fazer.Com os olhos molhados, a menina tentava fazer com que a pena e a culpa pela desgraça de sua mãe não lhe tomasse a cabeça e a fizesse parar ali, levanta-la, beija-la, abraça-la, pedir desculpas pela culpa que não tinha. Mas ela resistiu bravamente perante a toda aquela dor, perante a sua mãe e mesmo com o coração apertado sentindo toda a angústia do mundo, a garota foi procurar o estúdio de balé mais próximo para viver daquilo que lhe servia e que amava sozinha: liberdade.

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